O escritor e teórico literário argentino Ricardo Piglia transita tranquilamente entre a crítica, o conto e a novela. O autor de Nombre falso (livro de contos) escreveu sobre o gênero conto em diversas ocasiões, expondo duas teses sobre ele. Nesse post vamos explicá-las de modo que possam ser aplicadas no desenvolvimento de um conto feito por um escritor iniciante.
Ricardo Piglia, em um de seus textos, mais precisamente em Critica y ficción, escreveu o capítulo Tesis sobre el cuento, no qual expõe duas teses partindo de uma anedota registrada por Anton Tchekhov em algumas anotações: “Em Montecarlo, um homem vai ao cassino, ganha um milhão, retorna à sua casa e suicida.” Eis o esboço de um conto.
No excerto de Tchekhov, o jogador obtém um montante volumoso de dinheiro, no entanto, acontece um fato improvável: suicida-se. São, de fato, duas histórias e importa mostrar como elas se entrelaçam. Piglia analisa como seria relatada esta anedota (ambas as histórias) pelas visões clássica e moderna.
1ª tese: O conto conta sempre duas histórias
O conto sempre conta uma história visível e outra oculta, e esta última é narrada de forma enigmática. A cada história corresponde um sistema de causalidade (diferente). As partes imprescindíveis do conto intervêm em ambas as histórias e são utilizados de forma diferente em cada uma.
A forma clássica do conto produz o efeito surpresa, quando é revelado o final da história oculta. Tal desenlace convida a uma nova leitura, focalizada na observação da segunda narrativa, a qual esteve todo tempo implícita. Algo semelhante acontece nos romances policiais ou no gênero suspense.
2ª tese: A história oculta é a chave de leitura da forma do conto e suas variações.
O autor explica que a versão moderna do conto descarta o final surpresa, relata duas histórias como se fossem uma e trabalha a tensão entre elas, sem nunca solucioná-la.
As múltiplas possibilidades de um final são encarregadas de dar sentido a esta forma narrativa. Para além do desfecho escolhido pelo escritor, o interessante é que o leitor deve desdobrar-se para resolver a história.
No conto de Jorge Luis Borges, La forma de la espada, o narrador do relato visível ouve um testemunho do protagonista da história secreta. No desfecho emerge o oculto (a história secreta). Deste modo, se narra uma história para dar lugar a outra. Diferentemente do conto de Tchekhov, No mar da Crimeia, no qual as histórias pareciam ser uma.
Algo semelhante acontece em Why Don’t You Dance?, conto de Raymond Carver, já que, por meio de sinais, é permitido ao leitor fazer suas próprias conjecturas, deixando que imagine as causas ocultas. Por exemplo, qual é a razão que leva o dono da casa a colocar os móveis no pátio, na mesma disposição que se encontram no interior da residência? É uma intenção que perdura durante todo o relato. Parece algo construído, exclusivamente, para permitir que o leitor infira o recôndito do conto e reflita.
Possivelmente, aquelas frases que aparentam estar desconectadas, as que à primeira vista não encaixam, definitivamente, são muito importantes porque vinculam o que aparece ao que se omite. Como menciona Piglia, em relação à teoria do iceberg, numa tradução livre, “o mais importante nunca se conta.”
Qual estilo de escrita é mais interessante para você: clássico ou moderno? Deixe o seu comentário a respeito.