O autor Gonzalo Bolliger é formado em Letras na USP, trabalha como professor de Espanhol e com traduções, é apaixonado por literatura e música, principalmente rock e agora lança a obra “Rumo ao âmago da própria voz”. No livro, Gonzalo aborda muitos temas. O principal talvez seja o conflito do eu com o mundo e como o eu percebe o mundo. Na obra, o autor reforça que é um livro, na sua perspectiva, ao mesmo tempo colorido e sombrio.
Em entrevista ao Blog Autografia, Gonzalo conta mais sobre sua trajetória e sobre o tema do livro: “Comecei a escrever cedo, desde meus 14 anos, e terminei meu primeiro livro ‘Poemas Esparsos’ aos 18. Depois escrevi este livro: o poema extenso ‘Rumo ao Âmago da Própria Voz’ (o qual comecei em 2008 e terminei em 2018; e estou publicando agora pela Autografia)”.
“E o volume conceitual de contos, novelas e romances; ‘As Realidades Invisíveis’ (escrito de 2015 a 2018; publicado agora também pela Autografia). Nunca pensei na arte como uma evolução de uma voz pessoal e sim mais como um leque quase infinito de possibilidades, em que cada livro pode ter uma voz própria”, conta.
“Assim, o ‘Rumo ao Âmago da Própria Voz’; tem uma alma; ‘A Melancolia’ (que é outro livro de poemas vou lançar este ano) tem outra; e ;’As Realidades Invisíveis’, uma completamente diferente. Para mim o mais importante sempre foi adaptar a forma ao espírito da obra e, dessa forma, expressar com mais acuidade o que se quis expressar”, diz.
“E o que me levou a escrever? A necessidade de expressar tanto o meu mundo interior, como aquele que chega do mundo de fora e as fantasias da mente. Como curiosidades bibliográficas: nasci no Peru mas moro desde os 4 anos no Brasil; passei a maior parte em Campinas, mas nos meus 20 morei muitos anos em São Paulo”, relata.
“Estudei Letras na USP, onde por inércia demorei vários anos para me formar e esse, para bem e para mal, foi o tempo em que vivi mais intensamente; além de escritor, trabalho como professor de espanhol e com traduções; ao contrário de muitos artistas contemporâneos, não tenho interesse por seguir carreira acadêmica; quase nunca participo de concursos literários”, afirma.
“Sou apaixonado por literatura e música, principalmente rock; gosto de saber sobre diversos assuntos como psicologia, biologia, história, antropologia etc; não sigo em meus escritos o politicamente correto; mas que fique claro que sou de esquerda; sou introvertido com aspectos extrovertidos; meu sonho de vida era conhecer todos os tempos e lugares e seres e tudo o que existe e não existe neste mundo”, conta.
“Tenho complexos em relação à minha infância, à passagem do tempo e à morte; em vários aspectos odeio a sociedade em que estamos; sou uma máquina de ter crises, fantasiar e elaborar poemas e histórias”, diz.
“Imagino que seja um livro forte para muitos leitores, difícil de compreender para alguns, e ambos para outros. A minha recomendação é que leiam o livro de começo ao fim, em sequência, se possível em uma única leitura, como se estivessem escutando um disco de rock num aparelho de vinil e em volume bem alto”, relata.
“Tudo isso nessa primeira leitura sem se preocupar se estão entendendo ou não, só sentindo as imagens, a sonoridade, o seu fluxo e o que tudo isso provoca e remete para você. O livro é dividido em: um extenso poema um prosa que funciona como abertura e que fala que o personagem adormeceu aos quatro anos, só acordando por volta dos 24”, conta.
“Isso está um pouco implícito demais nesta primeira edição, na segunda vou deixar mais evidente); e cinco painéis do espírito humano, os quais constituem a jornada do eu-lírico enquanto estava adormecido. Cada painel, por sua vez, varia em relação ao outro; principalmente no que diz respeito à relação do eu com o mundo, talvez o tema central do livro”, afirma.
“O primeiro painel ‘Arte e Loucura’ é mais intimista e aborda temas como o passado, a infância, como em ‘Peregrinação’, a melancolia, a ambição e a solidão dela inerente, como em ‘Os Delírios de Narciso’, o tempo e a sensação de desagregação do ser e distância em relação à realidade, como em ‘O Arco-íris Negro’ além dos temas citados no título, a arte e a loucura”, diz.
“No segundo painel ‘Feitiços’ o eu entra em contato com a sociedade. Mas, a sociedade é sentida de forma distorcida/fantasiosa e é vista como um castelo onde há vários personagens. Nessa parte, há várias metáforas/imagens de teor antigo que expressam elementos do mundo que vivemos hoje em dia, como a futilidade, o materialismo e a sensação e vazio, como em ‘O grande teatro das ilusões perdidas’ ”, relata.
“No terceiro painel ‘Cátedra’ o ser se isola em seu mundo novamente. Essa parte é a mais depressiva e escura. Mas, ao contrário do que acontece na maioria do primeiro painel, não em todo o primeiro painel, pois o poema ‘O Arco-íris negro’ também funciona parecido aos poemas do ‘Cátedra’, os poemas são em si menos ligados diretamente ao Eu, ou seja, a maioria não está na primeira pessoa. O que aumenta a sensação de desagregação e escuro, como no poema ‘Cátedra’ e no Os Mosaicos Eternos’ ”, afirma.
“No quarto painel ‘As Cidades Desertas da Alma’, o Eu vai de novo para a sociedade e dessa vez ela aparece de forma um pouco menos fantasiosa/distorcida, já que aparece como cidades; como o eu acordando em uma cidade. Nessa parte o personagem vai sentindo a realidade de forma aflitiva, junto tanto a elementos mitológicos como Pandora ou mais modernos como a estação ferroviária ou uma televisão gigante”, conta.
“Essa parte começa na manhã no primeiro poema, avança até a noite ‘Noite de Insônia 1104’, vai para a manhã de novo e assim segue. Aparecem temas como: a sensação de exilio em relação à sociedade ‘Exílio’ e ‘In The Wonderland’; a ambição ‘O epitáfio da estátua’; a história da humanidade, seus mitos e a morte ‘A Caixa de Pandora’; a alienação das pessoas, como em ‘O epitáfio das cobaias’ “, diz.
“Além do drama existencial/psicológico/social de muitos dos seres que habitam a cidade e sua noite (‘Noite de insônia 1104’). A quinta parte ‘Rumo ao Âmago da Própria Voz’ e a descida final ao inconsciente, ao que seria seu ‘âmago’ e à desagregação do ser. É a parte mais onírica e surrealista do livro”, relata.
“O primeiro poema ‘Jenny segurou a minha mão…’ é uma verdadeira viagem por um pesadelo, o poema que começa por ‘É um corredor que jamais cessa …’ é o poema mais surrealista que já fiz; ‘Nos Pavilhões Vermelhos’ é ao mesmo tempo uma incursão oriental e uma viagem pelas fantasias e crises existenciais da infância”, afirma.
“E ‘O Âmago’ é meu poema preferido, não só deste livro como de todos que fiz, nele está a busca pela essência de si mesmo, uma busca que em geral traz mais fragmentos de lembranças da infância, sonhos, pesadelos, inconsciente, dando a impressão de que o âmago, em verdade não existe”, diz.
“Para os leitores atentos, logo após esse poema há umas partes em letra bem clara, os quais funcionam como fragmentos de sonhos/pesadelos. Esta obra aborda muitos temas. O principal talvez seja o conflito do eu com o mundo e como o eu percebe o mundo. Aí temos a busca pela essência de nós mesmos, a morte ou as várias formas de pensar o que há ou não há depois da vida, a infância, a melancolia, o vazio, a futilidade e o materialismo da sociedade, o vazio, os sonhos, os pesadelos, as visões fantasiosas da infância e da imaginação etc. É um livro, na minha perspectiva, ao mesmo tempo colorido e sombrio”, conta.
A inspiração para Gonzalo escrever o título do livro veio de um show de rock cover e também muito pautada na sua vontade de deixar uma mensagem aos leitores: “Antes do livro em si, ou seja, antes de 2008, eu tinha alguns poemas feitos que tinham outro espírito e estrutura dos poemas do meu livro ‘Poemas esparsos’ “.
“Esses poemas, mais outros que criei, vieram a compor a primeira parte do livro, que é o ‘Arte e Loucura’, o qual tem toda uma sequência dentro de si e que terminei em 2008. A partir disso, em 2008, já na universidade, tive a ideia de fazer mais quatro partes e fazer uma sequência unindo eles, cinco partes no total”, relata.
“E inclusive parte dos versos finais do livro remetem ao começo do livro, como se fosse um círculo. Depois, o último que adicionei ao livro foi o prefácio, que dá o sentido da obra. O título teve a ideia em um show de rock cover do Cream. Estava, ao ouvir música, imaginando versos e pensei no verso “rumo ao âmago da própria voz”, repetido de forma obsessiva três vezes. Isso usei no último poema do livro e depois escolhi também como título da obra’ afirma.
O autor ainda conta um pouquinho mais para nós sobre o processo de produção do livro: “O processo de escrita foi árduo. Foi difícil conectar as partes, manter o nível de qualidade ao longo de mais de 3000 versos e, ao mesmo tempo, deixar o livro com bastante diversidade. Absorvi elementos de várias culturas”.
“Por exemplo: mitologia grega; oriental como budismo e hinduísmo; animismo; elementos da idade média etc… E a influência de vários artistas e movimentos artísticos. Por exemplo: letras de rock, principalmente dos anos 1960 e 1970 como King Crimson, álbuns como’ In the Court of The Crimson King’, ‘Lizard’, ‘Red’, ‘Larks Tongue in Aspic’, Pink Floyd com o álbum ‘The Piper at the gates of Dawn’ ”, diz.
“Músicas como ‘Echoes’, ‘Set the Controls of the Heart of the Sun’ e ‘Eclipse’ etc, Yes e Cream, junto com recursos dessas músicas como a sua junção de imagens e cores; e poetas como T.S Elliot, Vicente Huidobro, o poema ‘Altazor’, Edgar Allan Poe, Lord Byron, o poema ‘Darkness’, Coleridge, o poema ‘Kubla Khan’, Blake, Roberto Piva, o livro ‘Paranoia’, Meng Chiao, o livro ‘Poemas Tardios’, Cesar Vallejo, Lautremond, Mallarmé, Baudelaire, Neruda etc”, relata.
“Alguns poemas fiz em uma vez por inspiração, outros fiz ao longo de um bom tempo e outros foi uma mistura desses dois processos. Outros inclusive fiz propositalmente para servir de sequência entre os poemas/ partes. Por exemplo, uma boa parte da segunda metade do poema ‘A Caixa de Pandora’ eu fiz aos meus 18 anos numa noite em que caminhava sozinho, e rascunhei tudo em um caderno”, conta.
“Ao longo dos anos seguintes fui completando o poema (incluindo a primeira metade e o que faltava da segunda) em parte por inspiração, mas uma boa parte também por tentativa e erro e por raciocínio; em geral diretamente no computador. Às vezes um dia completava um verso, em outro dois, outras completava um trecho mais por inspiração, e assim foi indo até terminá-lo por totalmente uns dois ou três anos depois”, diz.
Para Gonzalo, publicar o livro traz imensa alegria e a satisfação de meta alcançada com muita persistência: “A sensação de estar publicando este livro é de muita alegria e ansiedade, pois afinal foram dez anos (de 2008 a 2018) escrevendo-o; estruturando a sequência entre os poemas para que desse uma impressão de unidade narrativa, imagética e sonora; elaborando as imagens e poemas gráficos do livro; completando os versos que faltavam; revisando todas as partes etc”.
“Espero de tempos em tempos tirar novas tiragens e edições do livro, mesmo sendo algo muito caro, e poder difundi-lo pelo mundo porque é a obra minha que mais gosto. Também pretendo traduzi-lo a outras línguas como o espanhol e o inglês e difundir o livro nesses países”, conta.
“Espero que este livro algum dia seja considerado minha melhor obra. Considero meu livro mais ambicioso, completo e bem-acabado que fiz. Não é uma obra tão fácil, porque além de ser poesia (o que muitas pessoas já hoje em dia não leem), é um tipo de poema não muito comum para os leitores de poesia atual”, diz.
“Funciona como um poema longo e é muito simbólico, metafórico e imagético, o que faz que muitas pessoas tenham medo de não entender. Além disso, pega recursos da música dos 1960 e 1970, o que as pessoas que leem poesia em sua maioria estão pouco habituadas. Sem contar o fato do falar de temas algo pesados como morte, infância, melancolia, desagregação, o conflito do eu com a sociedade etc”, finaliza.
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